sexta-feira, 3 de junho de 2011

Função social do ensino




Hoje senti um desejo quase incontrolável de escrever sobre educação. Esse desejo surgiu da minha necessidade de expor algumas reflexões sobre a a real função da educação e mais especificamente do educador.
Estou preparando esses dias algumas atividades para a aula da pós do próximo sábado e precisei escolher uma poesia. Apesar de não conhecer muitos poetas, amo poesia, portanto a escolha não foi uma tarefa muito fácil. Porém, pensando no objetivo da minha aula, consegui definir um poema que trabalhei uma vez com meus alunos e que algumas reflexões importantes sobre a nossa sociedade e a nossa cultura: Eu etiqueta de Carlos Drummond de Andrade.
Esse texto do Drummond fala sobre os valores cultivados em nossa sociedade brasileira ocidental capitalista, onde as vontades individuais são limitadas pela oferta de uma sociedade de consumo. O autor mostra em cada estrofe, em cada palavra, a importância que a nossa cultura dá às marcas, às etiquetas e o quanto o ser humano, com todas as suas características, sua história e sua individualidade é sobreposto pela cultura consumista, gerando um sofrimento ligado a divisão de classes sociais e a limitação do poder aquisitivo.
Levei esse texto para os meus alunos, porque sempre acreditei que a educação deve ir além de uma reprodução sistemática de conhecimentos e valores. O educador tem uma função essencial de transformar o indivíduo e para isso deve incentivá-lo a ter uma postura proativa, reflexiva e crítica sobre o conhecimento transmitido pela família, pela sociedade e pela escola.
Como diria Zabala (2002), a educação tem como finalidade principal o pleno desenvolvimento do ser humano em sua dimensão social. Portanto, o educador tem como função o desenvolvimento contínuo do sujeito em formação e dessa sociedade. O professor não pode pensar em escola como um local para simples transmissão de conhecimento e sim como um local de formação de pessoas capazes de atuar e pensar contra a corrente de uma cultura predominante, contraditória e submetida aos interesses de uma pequena classe rica e com influência política.
Para mim, a educação não deve, em nenhuma hipótese, buscar a padronização dos indivíduos, tentando normatizá-los e limitando sua participação e intervenção política e social, desprezando a sua história e a sua capacidade crítica e reflexiva. Muito pelo contrário, a educação deve desenvolver com os indivíduos a capacidade de dialogar, discutir, criticar e intervir sobre os problemas políticos e sociais!!


Eu, etiqueta

Em minha calça está grudado um nome
Que não é meu de batismo ou de cartório
Um nome... estranho
Meu blusão traz lembrete de bebida
Que jamais pus na boca, nessa vida,
Em minha camiseta, a marca de cigarro
Que não fumo, até hoje não fumei.
Minhas meias falam de produtos
Que nunca experimentei
Mas são comunicados a meus pés.
Meu tênis é proclama colorido
De alguma coisa não provada
Por este provador de longa idade.
Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro,
Minha gravata e cinto e escova e pente,
Meu copo, minha xícara,
Minha toalha de banho e sabonete,
Meu isso, meu aquilo.
Desde a cabeça ao bico dos sapatos,
São mensagens,
Letras falantes,
Gritos visuais,
Ordens de uso, abuso, reincidências.
Costume, hábito, premência,
Indispensabilidade,
E fazem de mim homem-anúncio itinerante,
Escravo da matéria anunciada.
Estou, estou na moda.
É duro andar na moda, ainda que a moda
Seja negar minha identidade,
Trocá-lo por mil, açambarcando
Todas as marcas registradas,
Todos os logotipos do mercado.
Com que inocência demito-me de ser
Eu que antes era e me sabia
Tão diverso de outros, tão mim mesmo,
Ser pensante sentinte e solitário
Com outros seres diversos e conscientes
De sua humana, invencível condição.
Agora sou anúncio
Ora vulgar ora bizarro.
Em língua nacional ou em qualquer língua
(Qualquer, principalmente.)
E nisto me comprazo, tiro glória
De minha anulação.
Não sou - vê lá - anúncio contratado.
Eu é que mimosamente pago
Para anunciar, para vender
Em bares festas praias pérgulas piscinas,
E bem à vista exibo esta etiqueta
Global no corpo que desiste
De ser veste e sandália de uma essência
Tão viva, independente,
Que moda ou suborno algum a compromete.
Onde terei jogado fora
meu gosto e capacidade de escolher,
Minhas idiossincrasias tão pessoais,
Tão minhas que no rosto se espelhavam
E cada gesto, cada olhar,
Cada vinco da roupa
Sou gravado de forma universal,
Saio da estamparia, não de casa,
Da vitrine me tiram, recolocam,
Objeto pulsante mas objeto
Que se oferece como signo de outros
Objetos estáticos, tarifados.
Por me ostentar assim, tão orgulhoso
De ser não eu, mar artigo industrial,
Peço que meu nome retifiquem.
Já não me convém o título de homem.
Meu nome noco é Coisa.
Eu sou a Coisa, coisamente.

(Carlos Drummond de Andrade)